domingo, 28 de março de 2010

Palavras sobre ela

Estranho mesmo é quando você analisa momentos de sua vida de uma maneira isolada, alheio àquilo tudo. Ser espectador-crítico da sua vida pode ser muito estranho. Mais estranho ainda são como as coisas acontecem.

Éramos da mesma turma na faculdade e já havia idealizado a ocasião exata para dizer a ela que sua imagem não saia da cabeça fazia muito tempo. Gostava quando ela usava lápis de olho, realçava os olhos verdes em um rosto lívido coroado de dourado. Me lembrava os Rolling Stones.

Sempre entretida com alguma outra coisa, revista, livro, amigas, quase nunca a via sozinha. E quase nunca falava com ela. Um ano após termos nos conhecido devo ter trocados um punhado de frases com ela, sempre as que a boa educação nos manda. Ela de Vênus, eu de Marte.

Mas como já disse, estranho é o modo como as coisas acontecem.

Estávamos todos na porta da faculdade, jogando conversa fora após sairmos cedo da aula, quando aconteceu.
- Vamos comer uma pizza!

Em meio àquele ambiente de conversas frívolas e alegres, ninguém deu muita atenção ao que ela dissera. Eu dei. Indo para o carro de uma amiga que a levaria em casa, chamei sua atenção: - cadê a pizza?

Frases simples e desconexas podem transformas nossas vidas. Quem já falou com um desconhecido que sentava ao seu lado no ônibus sabe o que estou falando. Aquela frase simples jogada ao vento atua com grande força no gelo que existe entre pessoas desconhecidas, despedaçando-o em parte dos casos. Quem já conversou com aquela pessoa que lhe parecia interessante na fila interminável (e imóvel) do banco sabe do que estou falando. Em alguns casos nada acontece e você segue sua vida como se nada tivesse acontecido. Às vezes você nem perguntou o nome daquela pessoa. Às vezes aquela frase não fará nenhuma diferença e você não conhecerá ninguém legal. Mas essa não era uma dessas ocasiões irrelevantes que nos acompanham na vida. “Cadê a pizza” foi uma frase de impacto.

Acompanhei-a até o carro de nossa amiga, que ia à frente com outro amigo. O assunto já era um diferente de pizzas. Por um caminho que eu desconheço, falávamos sobre relacionamentos. “Quero terminar a faculdade e encontrar alguém legal. Quero casar. Três filhos. Duas meninas e um menino pra cuidar das irmãs. Cansei desses namoros. E você?”

O que eu poderia dizer!? A garota que eu gostava contando seus planos para o futuro numa conversa casual. Eram grandes planos. Bons planos. Eu não tinha nenhum. Me pareceram bons planos, queria fazer parte deles. Queria fazer parte deles? Uau, estranho mesmo são como as coisas acontecem!

Respondi qualquer coisa que não lembro agora, apenas para continuar aquela conversa que tinha sido a mais longa desde que nos conhecemos.

Quando ela entrou no carro, virei para o meu grande amigo e disse o último verso de “Queria apenas cinco coisas” de Neruda. Pablo Neruda é fantástico. Planejava dizer as palavras desse soneto à ela havia algum tempo, mas minha situação idealizada não havia chegado. A situação real estava ali. Ela baixou o vidro e perguntou o que eu disse. “Neruda. Queria apenas cinco coisas”. Ela ia pesquisar. Sua curiosidade era grande, tinha certeza que ela iria pesquisar. As palavras que imaginei serem ditas por mim ela iria ouvir do próprio Neruda.

E ela pesquisou.