- Essa é a comida dos fortes, senhor.
- Como assim, garoto?
- Só os fortes podem comer dessa comida aí, senhor. Essa é a ordem que eu tenho.
- Quem te deu essa ordem?
- Ah, pessoal daquela salinha azul lá no fundo. Ali, naquele cant...
- Desde quando você faz isso, garoto?
- Tem uns meses já, senhor. Uns três ou quatro, não me lembro bem. É que a gente por aqui não costuma muito contar o tempo. Não tem muita pressa por esses lados aqui não, senhor. Sabe como é, não acontece nada de novo, é tudo meio igual... e tudo assim, sempre paradão e quente. Quente... E esse calor só piora, senhor. Eu penso que hoje é o dia mais quente desde quando eu cheguei há seis meses atrás.
- Três, garoto!
- O quê, senhor?
- Três meses! Você me disse que trabalhava aqui já fazem três ou quatro meses.
- Ah sim, senhor! Mas eu cheguei aqui antes. Só depois que arrumei esse trabalho aqui.
O senhor olhou o garoto bem fundo nos olhos para depois observar o cenário em que tinham aquela conversa. O ambiente árido não era nada receptivo, mas as plantas mortas por falta d'água e as carcaças esparsas dos animais que tiveram a sorte de sair do lugar colaboravam com a sensação de poucos amigos da região.
- Mas como você sabe, garoto? Como você sabe quem são os fortes?
- São os que chegam, senhor. Normalmente são os que chegam aqui pedindo pela comida. Acho que o pessoal já os avisa que tem comida aqui esperando por eles. Eu só dou o prato pra cada. Meu trabalho é bem fácil. A parte mais difícil é esperar nesse calor. Ainda bem que tem essa casinha por aqui. Quando eu cheguei ela não tinha telhado, aí eu procurei uns pedaços de palha e cobri. Não é muito boa, mas dá pro gasto!
- E como você sabe que eu não sou um deles, um dos fortes?
- Ah, porque... Não sei, o senhor é diferente!
- Como? Eu também não cheguei aqui? Não são apenas os fortes que chegam aqui?
- Sim, tá certo, mas...
- Na verdade, como tu sabes se tu não és um vencedor?
- Hahahaha! EU, senhor? Eu só tô aqui pra dar comida pra eles! Eu não sou um dos fortes, não senhor.
- Por quê?
- Ora, mas que pergunta, senhor! Claro que não! Olha pra mim! Como eu posso ser um forte? Eu sou fraquinho, só como essa comida sem gosto que tem aqui...
- A mesma dos fortes!
- Tá, mas eu não sou um deles! Como pode?! Se eu fosse, claro que eu saberia!
- E o que tu farias?
- Ah, não sei...
- O que os fortes fazem quando saem daqui?
- Não sei, senhor... Eu nem sei o que eles fazem antes de chegar aqui! Na verdade, eu nem sei pra quê eles precisam de mim aqui. Tá tudo aí pra eles, o pessoal vem deixar e pegar a comida. Não chega ninguém mais aqui pra comer, a não ser o senhor. De onde o senhor veio?
- Chega de papo, garoto. Eu vou levar dois desses pratos pra viagem. Se quiser podemos papear mais no caminho. Tu vens ou não?
quinta-feira, 2 de maio de 2013
quinta-feira, 28 de junho de 2012
Cinco horas
Cinco da tarde
é o horário mais confuso do dia. É nesse momento que o Sol vai se acalmando no
horizonte - mais ameno, mais calmo, batendo de uma maneira distinta nas fachadas
das casas, deixando sua despedida e a escuridão vem chegando de mansinho pra
tomar sua posição. Tudo isso pintando a vida em tons laranja, em tons de cenário...
Nessa hora as
luzes dos postes ainda não estão acesas e os carros se veem na indecisão de
acender ou não seus faróis. Por breves instantes o dia mergulha na escuridão.
Era assim que
Maria deixava o trabalho. Finalmente.
Às cinco da tarde ela estava
livre para ir sem ser punida ou advertida por isso. Às cinco da tarde ninguém
mandava mais e suas obrigações haviam chegado ao fim naquele lugar. Às cinco,
de cada cinco dos dias da semana, Maria era liberta. Era livre do fardo habitual
que a ela parecia não ter fim. É somente o sentimento das cinco da tarde que
injeta ânimo em seu cotidiano. Contudo, às cinco e com sua carta de alforria
embaixo do braço, Maria ainda se perguntava ‘e agora, o que fazer’?
segunda-feira, 14 de maio de 2012
Sem Teto.
- O que você achou?
- Não sei... Você notou que não tem teto?
- O quê?
- Não tem teto!
- Ah sim, legal isso, né?! Dá um clima... Singular!
- Virou hipster agora?
- Para de falar besteira! Diz logo, o que achou?
- Hahaha, cara, não tem teto!
- Ah, mas em compensação tem água de graça!
- Como assim?
- Não sei bem explicar, mas eu sei que tem!
- Até as empresas ficarem sabendo, né?
- É... Mas eu acho que tem alguma coisa com ser uma igreja
abandonada, terreno da igreja, sei lá! Essas coisas... Será que isso é pecado? Acho que não. Talvez não... Acho que não!
- Eu acho que deve ser! Bem, mesmo assim, acho que essa ideia é um pouco fora do lugar. Como que você quer fazer uma "casa de eventos" aqui?
- Não faz aspas com as mãos quando falar da minha casa de eventos!
- Que coisa, cara! Vem,volta pro carro. Mas antes me diz, como tu achaste isso aqui?
- Eu estava andando de bicicleta e resolvei conhecer novos lugares. Acabei parando aqui.
- E esse ideia, de onde saiu?
- Estava pensando em fazer uma coisa diferente... Mas agora que você tá falando assim, desanimei. Penso que deva fazer algo de concreto, que dure por mais tempo. Talvez em uns 500 anos alguém descubra e goste, e serei considerado um vanguardista, visionário!
- Vamos, entra no carro. Tu estás bêbado!
sexta-feira, 13 de abril de 2012
Homem Comum
O mundo parecia desabar na noite lá
fora. A chuva e o vento forte, os raios e todo arsenal atmosférico disponível
não davam trégua, e batiam nas janelas insistentemente. Dentro do apartamento, Lynyrd Skynyrd ecoava baixinho.
Já passa do
segundo mês do ano e ele ainda não tivera coragem nem de tirar a barba. Alguns
dias se passaram desde seu último banho e, naquele momento, o seu apartamento
de 200m², com 2 suítes, living e varanda gourmet se
resumia à uma cama e uma garrafa d'água no canto do quarto principal. Chovia,
mas o calor era persistente. Era noite, mas a cidade lá fora estava
completamente iluminada.
Desde
Angélica, Pedro não foi mais o mesmo. Nada de shows, nada de festas, nada de
cerveja no bar. Era só o trabalho e a casa.
O que sentia
não era somente o que sente aqueles que perdem alguém querido. Tudo o que havia
construído, pensado e planejado tinha sido destruído com apenas um telefonema
ruidoso no meio da noite: - Ela morreu!
Sentia-se
melhor apenas por terem parado de lhe falar que "o tempo se encarregaria
de curar sua mágoa". Em dois anos nada havia realmente sido amenizado.
Apesar da
consciência da fragilidade, brevidade da vida humana e tudo mais, ninguém está
realmente preparado quando ela bate à porta. Na verdade, ninguém se prepara
para o ritual - até porque não se diz como se comportar ao entrar numa sala
fria de necrotério e o que fazer ao ver o corpo desfalecido de alguém que lhe
foi tão próximo.
Mas não
aquela noite. Após muito tempo ouvindo que deveria sair de casa às vezes,
finalmente aquele conselho parecia ser bom em ser seguido. Penteou os cabelos
castanhos e vestiu a primeira camiseta e calça limpas que conseguiu encontrar.
Pedro sentiu mesmo um desejo de sair para respirar. E assim o fez, mesmo com a
chuva ainda forte.
- Essa
cidade não pode ser feita de açúcar, pensou enquanto girava a chave na
fechadura da porta.
À medida que
dirigia em direção ao centro da cidade a chuva afinava. Ainda pegou o telefone
para ligar para os antigos amigos, mas achou melhor não. Sabia que os eles
acabariam se comportando como babás e não era isso que procurava. Queria apenas
ver rostos diferentes, embriagar-se um pouco e tentar voltar a ser um cara
normal.
Contudo, as
coisas haviam mudado. Começando pelo local. Antes parecia não parecia tão cheio
e as pessoas eram mais velhas. Os adolescentes haviam dominado o lugar.
Procurou ainda os bares que costumava frequentar, mas não os encontrou.
- Bem,
melhor assim. Menos rostos familiares.
Perambulando
mais um pouco, encontrou um lugar que pareceu ser legal. Ao lado da entrada,
uma placa dizia “cerveja bonita & gente barata”.
– Pelo menos
eles são sinceros!
Do lado de
dentro, o que havia do lado de fora: muita gente! Parecia que todos na cidade
tiveram a mesma ideia de sair de casa aquela noite. Pedro encostou-se no bar e
pediu uma cerveja. Enquanto aguardava desafiou-se a adivinhar qual a música que
a bandinha que se apresentava estava tocando. Não conseguiu. – Deve ser uma
dessa tal britpop. Antigamente, costumava ter discussões calorosas com os
amigos sobre essas coisas. Curiosamente, lembrou-se da vez que o Cidão disse
que era “por isso que as coisas estão como estão: ninguém gosta mais de
Hendrix!”. A lembrança lhe despertou um pequeno sorriso de canto de boca, que
foi interrompido pelo garçom com a garrafa de cerveja na mão.
Pedro andou
pelo lugar como se estivesse procurando algo, mas que estava na cara que não
encontrava.
- Teria sido
melhor ligar pros caras. Pelo menos eu teria companhia, era o que resmungava
enquanto entrava no banheiro.
Só mais uma
cerveja e iria pra casa. Tava decidido. Mais uma vez chegou no bar e ficou
esperando a cerveja. Dessa vez não tentou adivinhar musica nenhuma, mas olhava
a esmo para as pessoas do lugar. A maioria devia ter menos de 23 e já era o fim
da festa de muita gente que bebeu além da conta. Lá ao fundo, uma garota olhava
fixamente para Pedro. Aquilo o deixou sem-graça, um tanto desajeitado. Ficaram
nessa de se encarar por uns minutos e foram interrompidos devido à cerveja dele
que havia chegado finalmente. Pedro virou-se para pegar e quando se virou
novamente para a garota ela havia sumido. Deu de ombros e pôs-se a terminar
aquela cervejinha.
- Você é gay?
Pedro não
percebeu achegada da garota ao seu lado. Devido ao barulho, não entendeu o que
ela perguntou. Mas se tivesse entendido, a resposta seria a mesma:
- O que você
disse?
- Você é gay?
- Não, não
sou, respondeu ele, agora reparando bem naquela garota de olhos e cabelos bem
escuros e de pele branquinha. Por uns segundos tentou adivinhar a idade da
garota, mas bem rapidamente decidiu que já bastava de adivinhações por aquela
noite. Aproximou-se do ouvido dela e perguntou por que ela havia pensado isso,
sem deixar de notar o forte perfume que ela usava.
- Ah, sei
lá. Você está aí sozinho e aA gente ficou se olhando por um bom tempo e você não fez nada. O pessoal
que vem aqui geralmente não age assim.
Pedro pediu
outra cerveja pra ele, e para a ela. Ficaram conversando e bebendo por um tempo
até que ela quis dançar.
- Tudo bem,
mas já peço desculpas pelos seus pés!
Até que se
saiu bem. Seu pensamento foi nos amigos que deixara de chamar e qual seria a
reação deles se o vissem ali, dançando com aquela garota bonita. Estendeu-se
ainda um pouco mais nas coisas que havia deixado de fazer nesses últimos tempos
e que retomaria a partir do dia seguinte. Mas antes disso, a única coisa real
eram as mãos dele no quadril dela e os lábios dela no pescoço dele. Em meio ao
seu devaneio, sentia pequenas mordidas em seu pescoço.
Fosse pela
euforia de viver novamente, fosse pela dança, fosse pela garota, fosse pelas
cervejas, o fato é que ele não percebeu quando ela cravou os caninos em seu
pescoço e foi sugando-lhe toda a vida pelas veias. Demorou certo tempo para
perceberem que o cara caído no chão não estava legal.
- Malditos
drogados! - Xingava o dono do lugar.
- Malditos
drogados! – Resmungava o policial que chegou para ver o que tinha acontecido.
- Deve ter
sido uma overdose.
E foi com
essa possível causa que ele chegou ao IML para a autópsia. Pedro ficou
espantado quando acordou naquele lugar. Espantado mesmo ficou o legista quando
chegou à sala e viu o seu próximo trabalho saindo pela porta dos fundos. Pedro
já conhecia a saída.
quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012
Depois do carnaval
Maria Eduarda era doida por informação. Lia de tudo. Quando
criança era a alegria dos pais, que a mostravam a todos e diziam que ela era
uma criança muito inteligente, que lia de tudo, que quando crescesse seria uma
doutora!
Maria Eduarda cresceu e não virou
doutora. Continuava inteligente e cada vez mais doida por informação. Mas agora
começava a dar uma pontinha de preocupação para os pais, que diziam que já era
hora dela se acertar na vida, começar a ganhar seu dinheirinho e ajudar em
casa.
Por
muito tempo ela se achou superior aos outros coleguinhas de classe. E quando
cresceu e foi para a primeira faculdade, também. Mas agora, que já largou
Medicina, Direito e Engenharia Mecatrônica, Maria Eduarda se sentia um trapo.
Ser inteligente não era uma bênção, era uma maldição.
Ela
caiu numa profunda crise existencial e passava o dia na internet procurando
diversos artigos de diversos assuntos apenas marcando-os, favoritando e
separando em pastas para ler depois. Já não lia mais um artigo completo, no
máximo passava os olhos. Ia já para o próximo, para marcá-lo e separá-lo na sua
pasta apropriada para que depois, quando ela estivesse mais calma e com tempo,
pudesse ler sem preocupação.
90%
dos favoritos nunca foram lidos.
No
fim do ano, já cansada da pressão dos pais, mas mais ainda cansada da situação em
que ela constatou que se encontrava, fez uma promessa: - Depois do carnaval, eu
dou um jeito na minha vida!
A
mãe dela ficou muito feliz. Fez questão de levá-la à praia na virada de ano
para pular as ondinhas e tudo mais. Na cabeça dela, a promessa havia sido
sacramentada, passada em cartório, e finalmente sua filha e tomar um rumo na
vida.
Maria Eduarda prometeu ainda que
antes do carnaval faria tudo que ela ainda não tinha feito na vida: descansar.
Sem livros ou internet, só o básico, sabe? Planejou meticulosamente o que faria
depois do carnaval, que curso iria fazer, qual faculdade frequentar, esse tipo
de coisas. Tava tudo lindo. Dona Marta, mãe dela, todo dia dizia pro marido:
"agora é pra valer, Zé!".
No
carnaval, ela foi pra Olinda. Se acabou de dançar frevo, fez muitos amigos e
fez ainda outra promessa, de voltar no próximo ano.
O
carnaval chegara ao fim. Passou. O ano iria finalmente começar.
Chegou
em casa eufórica, realmente empenhada em cumprir suas metas. Ligou o computador
e foi se atualizar do mundo!
O
tempo passou e ela realmente conseguiu fazer o que queria depois daquele
carnaval.
Anos
depois, consegui firmar-se como uma grande escritora. Casou e teve dois filhos.
O mais velho já saiu de casa. O mais novo sempre foi orgulho da família. Menino
inteligente, lia de tudo!
Maria
Eduarda discutia todos os dias com o filho sobre o futuro dele e perdia a
cabeça quando ouvia diariamente a mesma resposta: depois do carnaval a gente vê
isso.
Maria Eduarda nunca voltou à
Olinda.
segunda-feira, 30 de janeiro de 2012
Teoria do Guarda-Chuva
Jeremias
sempre nos brindava com suas teorias sobre tudo em nossos
encontros. Costumava dizer que, apesar dos vinte e poucos anos, tinha a
experiência que seu nome demandava. Não importava o lugar que estivesse,
qualquer coisinha podia dar o start naquela máquina incansável de
teorias, suposições e observações.
Dia desses, lá pela quarta ou quinta rodada no bar, ele me veio com a Teoria do Guarda-Chuva.
Dia desses, lá pela quarta ou quinta rodada no bar, ele me veio com a Teoria do Guarda-Chuva.
- Guarda-chuva?
- É cara! Ninguém dá ouvidos aos guarda-chuvas, mas eles têm muito
a dizer! As
pessoas vão mudando, e de acordo com isso, também os seus guarda-chuvas. Nunca reparou? Claro que não, você nem sabe o que comeu no almoço de hoje! É assim, quando
criança é aquela festa! Guarda-chuvas de todas as cores e caras, com desenhos
coloridos e estampas de super-heróis. Lembra quando a gente foi buscar aquela filha da sua prima no escola de crianças? Estava chovendo, e eu via a cara do Ben 10 em todo canto!
Quando a gente está na praia, levamos aqueles guarda-chuvas (sóis!) grandes, coloridos e espalhafatosos. Tem também os guarda-chuvas das tias - estampados, mas que mantém a discrição que senhoras de respeito requerem. Eu só não entendo o porquê deles serem tão feios!
Mas quando quando a gente é adulto, e não é senhora de respeito e nem está na praia, o que a gente usa?
- Bem, a gente usa o preto!
- Exato! Todo mundo tem um guarda-chuva preto e esse é, geralmente, o que é levado pra todo lugar. Não importa o fabricante ou o modelo, o guarda-chuva é preto! É nosso default. É só um guarda-chuva, me dá qualquer um! Até mesmo aquelas pessoas que lançam aos quatro ventos que são diferentes, únicas e aquela quel toda que a gente já conhece, até mesmo elas usam a monotonia do guarda-chuva preto!
- É verdade... Lembra daquela sua namoradinha que tinha o cabelo cor-de-arco-íris? Dependendo da intensidade da luz o cabelo tinha uma coloração diferente...
- Claro, e até ela tinha um guarda-chuva preto. E quebrado, por sinal! O fato é que somos tão pressionados a consumir os produtos de massa, a agirmos num padrão que nem percebemos quando adotamos isso para novo modo de vida. Mesmo quando tentamos nos enganar com aqueles discursos de que “nós somos diferentes”, e que usa roupas e adota comportamentos singulares, mesmo assim não percebemos o quanto da ideologia da uniformização está intrínseca ao nosso cotidiano. Isso é provado pelo seu guarda-chuva! Ele é preto, não é?
O foda é que a gente tenta colocar em todo os objetos que temos um pouco do que somos. A gente customiza carro, a gente adesiva caderno e computador, a gente ouve bandas do underground norueguês porque o Metallica se vendeu pra indústria – até quando se escolhe o nome do cachorro a gente faz isso! Mas a gente faz isso com essas coisas grandes, que as pessoas vão notar. Não nas coisas pequenas. Mas aí, Chico, aí que são essas coisas pequenas que realmente nos diferenciam! São as coisas pequenas e que ninguém mais vê que tornam as pessoas interessantes ou chatas. Lembra por que você terminou com a Ester?
- Mania de limpeza.
- E com a Joana?
- Ela me ligava a cada 10 minutos!
- Pois é, meu jovem! À primeira vista, elas eram um ótimo partido, além de serem muito gatas. São essas coisas importantes, e minúsculas, que fazem a diferença! E quando alguém mais vê essas pequenas coisas que você tem, é aí que acontece o amor. Não só o amor de casar e viver feliz pra sempre, e blá,blá,blá, mas ainda o amor fraterno, a amizade. São as pequenas coisas que juntam as pessoas. Não seu guarda-chuva preto!”
Quando a gente está na praia, levamos aqueles guarda-chuvas (sóis!) grandes, coloridos e espalhafatosos. Tem também os guarda-chuvas das tias - estampados, mas que mantém a discrição que senhoras de respeito requerem. Eu só não entendo o porquê deles serem tão feios!
Mas quando quando a gente é adulto, e não é senhora de respeito e nem está na praia, o que a gente usa?
- Bem, a gente usa o preto!
- Exato! Todo mundo tem um guarda-chuva preto e esse é, geralmente, o que é levado pra todo lugar. Não importa o fabricante ou o modelo, o guarda-chuva é preto! É nosso default. É só um guarda-chuva, me dá qualquer um! Até mesmo aquelas pessoas que lançam aos quatro ventos que são diferentes, únicas e aquela quel toda que a gente já conhece, até mesmo elas usam a monotonia do guarda-chuva preto!
- É verdade... Lembra daquela sua namoradinha que tinha o cabelo cor-de-arco-íris? Dependendo da intensidade da luz o cabelo tinha uma coloração diferente...
- Claro, e até ela tinha um guarda-chuva preto. E quebrado, por sinal! O fato é que somos tão pressionados a consumir os produtos de massa, a agirmos num padrão que nem percebemos quando adotamos isso para novo modo de vida. Mesmo quando tentamos nos enganar com aqueles discursos de que “nós somos diferentes”, e que usa roupas e adota comportamentos singulares, mesmo assim não percebemos o quanto da ideologia da uniformização está intrínseca ao nosso cotidiano. Isso é provado pelo seu guarda-chuva! Ele é preto, não é?
O foda é que a gente tenta colocar em todo os objetos que temos um pouco do que somos. A gente customiza carro, a gente adesiva caderno e computador, a gente ouve bandas do underground norueguês porque o Metallica se vendeu pra indústria – até quando se escolhe o nome do cachorro a gente faz isso! Mas a gente faz isso com essas coisas grandes, que as pessoas vão notar. Não nas coisas pequenas. Mas aí, Chico, aí que são essas coisas pequenas que realmente nos diferenciam! São as coisas pequenas e que ninguém mais vê que tornam as pessoas interessantes ou chatas. Lembra por que você terminou com a Ester?
- Mania de limpeza.
- E com a Joana?
- Ela me ligava a cada 10 minutos!
- Pois é, meu jovem! À primeira vista, elas eram um ótimo partido, além de serem muito gatas. São essas coisas importantes, e minúsculas, que fazem a diferença! E quando alguém mais vê essas pequenas coisas que você tem, é aí que acontece o amor. Não só o amor de casar e viver feliz pra sempre, e blá,blá,blá, mas ainda o amor fraterno, a amizade. São as pequenas coisas que juntam as pessoas. Não seu guarda-chuva preto!”
sexta-feira, 2 de dezembro de 2011
Low battery
Tem um montão de coisas espalhadas pela casa que
precisam ser empacotadas. Na verdade, bem mais que isso. Precisam ser limpas,
separadas - por cor, tamanho, peso ou qualquer outra característica que elas
tenham em comum, agrupadas, enfileiradas, etiquetadas e, por fim, empacotadas.
Tem sido tudo muito corrido, e eu realmente não tenho disposição para tanto.
Foi só assim que eu aprendi a lidar com essas
coisas. Disciplina e método. Desde cedo eu aprendi, e tinha sido tudo muito bem
útil até agora. Usava esse método para tudo, e sempre fora efetivo. Digo essas
coisas no passado porque elas requerem muito tempo e energia. Energia essa que
só me vive na reserva.
Mês passado eu arrumei tudo que estava pelo chão.
Em meio às caixas antigas, encontrei as lembranças das antigas férias,
primeiros amores, ideias infantis - como a de descobrir o porquê de o
nosso mundo ser assim. Mês passado eu arrumei tudo, preenchi todos os espaços
vazios, vasculhei minha mente e organizei meu mundo. Mês passado estava tudo
certo.
Agora o meu tempo não gira e as coisas se acumulam.
Preciso de mais espaço, sair do meu pequeno cubo. Mas isso vai ficar pra
depois. Preciso me ligar na tomada - a energia reserva acabou.
Assinar:
Postagens (Atom)