Numa dessas noites vazias de quartas-feiras eu lembrei do Zé Jorge. A
gente costumava assistir juntos aos jogos na tevê numa tentativa de
preencher esta noite tão indecisa. Mas isso eram em outros tempos, em
que o futebol era jogado com mais talento e graça. Se o Zé Jorge ainda
estivesse por aqui, as nossas tentativas teriam sido todas em vão.
Quando ele se mudou para o apartamento do lado eu era ainda uma criança,
no auge dos meus dez anos, mas ele já era velho. Não velhinho, desses de
cinquenta anos. Eu digo velho, velho mesmo. Depois de um tempo, comecei a
achar que ele já havia nascido velho, como no conto do Fitzgerald. Mas
ao contrário da ficção, Zé foi ficando mais velho a cada ano.
Nos conhecemos quando eu, jogando futebol na quadra do condomínio,
acertei uma bolada na janela dele. Achando que tinha arrumado uma baita
de uma confusão, me supreendi quando ele apareceu sorridente na janela
me devolvendo a bola e dizendo que eu "tinha que treinar mais até para
quebrar a vidraça!". Assim começou nossa amizade, baseada no futebol.
O tempo foi passando, eu crescendo e ele só envelhecendo! Nessa época. já adolescente, eu
comecei a perceber umas coisas que não havia notado quando criança. Zé
Jorge quase não saia de casa, e tinha uma rotina bem rígida com relação
aos banhos diários, horário de dormir e de comer. Ele tinha muito medo
de adoecer, e na sua idade aquilo "seria o fim". Em nossas conversas ele
me ensinou um monte de coisas que moldaram meu caráter. Contudo, ele
deixava escapar também os desejos de sua vida que nunca realizara,
como andar de avião.
Zé sabia tudo sobre aviação, e tinha um monte de livros sobre aviões. Se
bobeasse ele até sabia como construir um! Mas viajar de avião, isso ele
nunca tinha feito. "Vai que é um piloto novato, que não conhece os
procedimentos. No fim, eu que pago o pato!". Minhas tentativas em dizer
que aquilo tudo era besteira foram todas em vão.
E como tinha medo de avião, nunca saltou de paraquedas. Assim como,
quando jovem, nunca andou de bicicleta, de moto, ou de patins. Pelo
mesmo motivo, nunca frequentou um parque de diversões. Zé era bem
paranóico com esse assunto, e tudo que fazia era pensado e mesurado. Se
ele considerasse perigoso, não fazia.
Um dia, voltando da faculdade, percebi uma grande movimentação no
prédio, e de alguma maneira sabia que tinha relação com o Zé. Ele teve
uma parada cardíaca enquanto assistia um jogo na tevê.
Depois desse dia, percebi como as noites de quarta eram vazias. Fiquei triste pela partida do Zé, não somente por sentir sua falta, mas pelo que ele fez (e deixou de fazer). Zé Jorge viveu
com medo. Morreu velhinho, mas sem aprender a viver.