sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Low battery


Tem um montão de coisas espalhadas pela casa que precisam ser empacotadas. Na verdade, bem mais que isso. Precisam ser limpas, separadas - por cor, tamanho, peso ou qualquer outra característica que elas tenham em comum, agrupadas, enfileiradas, etiquetadas e, por fim, empacotadas. Tem sido tudo muito corrido, e eu realmente não tenho disposição para tanto.
Foi só assim que eu aprendi a lidar com essas coisas. Disciplina e método. Desde cedo eu aprendi, e tinha sido tudo muito bem útil até agora. Usava esse método para tudo, e sempre fora efetivo. Digo essas coisas no passado porque elas requerem muito tempo e energia. Energia essa que só me vive na reserva.
Mês passado eu arrumei tudo que estava pelo chão. Em meio às caixas antigas, encontrei as lembranças das antigas férias, primeiros amores, ideias infantis -  como a de descobrir o porquê de o nosso mundo ser assim. Mês passado eu arrumei tudo, preenchi todos os espaços vazios, vasculhei minha mente e organizei meu mundo. Mês passado estava tudo certo.
Agora o meu tempo não gira e as coisas se acumulam. Preciso de mais espaço, sair do meu pequeno cubo. Mas isso vai ficar pra depois. Preciso me ligar na tomada - a energia reserva acabou.

domingo, 4 de setembro de 2011

Noites vazias

Numa dessas noites vazias de quartas-feiras eu lembrei do Zé Jorge. A gente costumava assistir juntos aos jogos na tevê numa tentativa de preencher esta noite tão indecisa. Mas isso eram em outros tempos, em que o futebol era jogado com mais talento e graça. Se o Zé Jorge ainda estivesse por aqui, as nossas tentativas teriam sido todas em vão.
Quando ele se mudou para o apartamento do lado eu era ainda uma criança, no auge dos meus dez anos, mas ele já era velho. Não velhinho, desses de cinquenta anos. Eu digo velho, velho mesmo. Depois de um tempo, comecei a achar que ele já havia nascido velho, como no conto do Fitzgerald. Mas ao contrário da ficção, Zé foi ficando mais velho a cada ano.
Nos conhecemos quando eu, jogando futebol na quadra do condomínio, acertei uma bolada na janela dele. Achando que tinha arrumado uma baita de uma confusão, me supreendi quando ele apareceu sorridente na janela me devolvendo a bola e dizendo que eu "tinha que treinar mais até para quebrar a vidraça!". Assim começou nossa amizade, baseada no futebol.
O tempo foi passando, eu crescendo e ele só envelhecendo! Nessa época. já adolescente, eu comecei a perceber umas coisas que não havia notado quando criança. Zé Jorge quase não saia de casa, e tinha uma rotina bem rígida com relação aos banhos diários, horário de dormir e de comer. Ele tinha muito medo de adoecer, e na sua idade aquilo "seria o fim". Em nossas conversas ele me ensinou um monte de coisas que moldaram meu caráter. Contudo, ele deixava escapar também os desejos de sua vida que nunca realizara, como andar de avião.
Zé sabia tudo sobre aviação, e tinha um monte de livros sobre aviões. Se bobeasse ele até sabia como construir um! Mas viajar de avião, isso ele nunca tinha feito. "Vai que é um piloto novato, que não conhece os procedimentos. No fim, eu que pago o pato!". Minhas tentativas em dizer que aquilo tudo era besteira foram todas em vão.
E como tinha medo de avião, nunca saltou de paraquedas. Assim como, quando jovem, nunca andou de bicicleta, de moto, ou de patins. Pelo mesmo motivo, nunca frequentou um parque de diversões. Zé era bem paranóico com esse assunto, e tudo que fazia era pensado e mesurado. Se ele considerasse perigoso, não fazia.
Um dia, voltando da faculdade, percebi uma grande movimentação no prédio, e de alguma maneira sabia que tinha relação com o Zé. Ele teve uma parada cardíaca enquanto assistia um jogo na tevê.
Depois desse dia, percebi como as noites de quarta eram vazias. Fiquei triste pela partida do Zé, não somente por sentir sua falta, mas pelo que ele fez (e deixou de fazer). Zé Jorge viveu com medo. Morreu velhinho, mas sem aprender a viver.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Babi

Em meio à toda aquela água do mar que o fazia afundar na areia molhada, a única coisa que Beto parecia sentir eram os pés dela sobre os dele. Nada de mar, nem de vento, barulho...nada! Beto sabia que aquele era um desses momentos que a gente leva por muito tempo, e que num belo domingo de sol preguiçoso é gostoso de se lembrar. Eu não faço a mínima ideia de como ele poderia saber aquilo, mas ele sabia. Na verdade, é curioso o fato de que qualquer um que estivesse no lugar dele teria certeza que aqueles pezinhos seriam lembrados por um longo pedaço de vida.

E enquanto ela repousava a cabeça no peito dele, a única coisa que parecia sentir eram as batidas fortes do coração de Beto. Deu-se conta que aquele cenário jamais lhe ocorrera antes, e que Beto seria um dos últimos a quem ela teria algum interesse. Por um milhão de motivos ele seria uma última opção, mas agora não lhe via nada à cabeça. Mais uma dessas coisas que a gente não consegue - e eu aposto que nunca consiga, explicar.

Quem visse de longe o jovem casal abraçado na beirinha do mar poderia facilmente confundí-los com uma só pessoa. Como naquele joguinho de criança, tetris, pareciam encaixados. Encaixados por suas diferenças. Diferenças marcantes e vibrantes, como ela gostar de Mozart e ele de Ramones. Ela de velocidade e ele nem saber dirigir.

O sol ia escondendo-se no horizonte e aquele abraço encaminhava-se ao fim. Fim? Depois daquele fim de tarde, Beto precisaria dos pés dela para caminhar.