domingo, 27 de junho de 2010

Carta à Senhorita Mãos Geladas

Ontem sai com o pessoal da faculdade. Nós fomos num lugar legal no centro da cidade. Fazia tempo que a gente não saia junto e, pra ser sincero, já começava a sentir falta. Eu me sinto muito bem com eles, com as diferentes personalidades de cada um. São pessoas realmente muito legais. Você gostaria deles se os conhecesse. Eu me diverti bastante. Senti sua falta em todos os momentos.

Na entrada, enquanto eu remexia minha carteira, lembrei de como você pegava logo as notas mais fáceis para o troco diante da minha sempre falta de jeito com as cédulas. Quando fomos procurar algum lugar pra sentar, lembrei da sua mania de limpeza e de como detestava bancos sujos, e que sempre tirava da bolsa algum lenço ou coisa do tipo e tentava amenizar o problema. Na hora de pedir algo pra comer, visualizei você ali, perguntando ao garçom se o prato que queria pedir tinha carne de porco ou algum tipo de bebida alcoólica, já que não podia comer nada daquilo por causa da sua religião.

Apreciava a idéia de que, de alguma forma, a saudade fosse amenizada com o tempo, mas ao que parece, ele é só combustível. Tudo aquilo com que eu implicava me faz falta.

Embora nada do que eu disser possa trazê-la de volta, eu precisava contar que ainda sinto falta das suas pequenas mão geladas.

sábado, 26 de junho de 2010

Umas palavras

Algum dia você vai ter que me perdoar, mas eu preciso escrever qualquer coisa sobre você. Desculpe-me se não consegui parar de te olhar na festa de hoje, deves ter percebido isso. Mas é que a maneira como cantavas baixinho a música que tocava era hipnotizante. Longe das pessoas, alheia ao que acontecia, brincando com seus cabelos escuros, sentada sozinha, você recitava suas palavras mágicas que criavam um campo iluminado ao seu redor. Você brilhava e ninguém mais notou. Em vários momentos quis lhe falar, mas não sabia como começar, o que dizer. É sempre assim quando estás por perto. Deve ser por causa do seu encanto e das palavras mágicas.

domingo, 13 de junho de 2010

O Coração Amarelo

Uma vez ele me deu seu coração. Era um coração amarelo. Aquilo me marcou porque era estranho ganhar um coração amarelo. Todos os corações que eu havia ganhado dos garotos até aquele momento eram corações grandes, vermelhos, daqueles que enchem os olhos, sabe? Esse não. Era só um coração amarelo, sem muita expressão. Parecia um pequeno chaveiro, daqueles que a gente encontra nas lojinhas.

Sempre pensei que ele sendo quem era teria um coração completamente diferente. Tá certo que eu nunca tinha parado pra pensar bem em como eu achava que era seu coração, mas eu sabia que era diferente. Mas um diferente legal, tipo White Stripes, saca? É, isso mesmo. Tipo White Stripes: um negócio diferente, mas legal, que atrai a atenção das pessoas pela forma única que é. Talvez ele tivesse um coração assim, grande, com listras brancas, vermelhas e pretas e que fosse um virtuose da guitarra! Mas amarelo?! Amarelo não é cor de coração! Amarelo é a cor que a gente usa pra pintar o sol quando estamos no jardim de infância e a professora manda colorir um desenho da nossa casa. Amarelo é cor de banana. Poxa, ele me deu um coração cor-de-banana?! Se ele não fosse quem ele era, eu teria jogado aquele coração cor-de-banana sem graça bem longe na mesma hora que ele me entregou.

Nos conhecemos na escola. Ele era de uma séria anterior à minha. Os amigos dele eram do tipo popular, sabe, daqueles que são conhecidos e conhecem a escola inteira, e a gente acabou se conhecendo. Apesar dos amigos, ele não era bem do tipo popular. Tirando o pessoal da sala dele, eu e duas amigas minhas, ele não falava com mais ninguém. Sem contar que boa parte do pessoal da sala dele não ia muito lá com a sua cara. Pessoalmente, nunca entendi isso. Hero era até um cara legal, inteligente e se esforçava muito para ser divertido. Vai ver que esse pessoal se encaixa naquilo que dizem de a gente temer o que não entende. Se você pensar assim, fica mais fácil sacar o motivo dele ter poucos amigos.

Tem também esse negócio do nome, né? Pô, Hero?! Os pais dele também não ajudaram em nada! Que droga de nome prum garoto! O que aconteceu com Antonio, João, Pedro, Manuel... Com esse nome o pessoal já chega pensando que ele é um daqueles carinhas metidos à besta.

Ele salvou a minha pele várias vezes enquanto ainda estávamos na escola. Teve uma vez que ele até fingiu ser meu namorado numa festa que fomos! Quando lembro dele não consigo pensar em nada de ruim em toda nossa história de amizade. Não, não é que eu só me lembro do que quero lembrar, que seriam as coisas boas, é que realmente não há nada de ruim.

Depois que a escola acabou e entramos em faculdades diferentes continuamos nos falando, mas já não era a mesma coisa. Foi nesse período que ele me deu o coração amarelo. Tinha acabado de voltar de uma viagem e me ligou dizendo que tinha uma coisa importante pra me dar. Claro que eu nunca imaginei que ele queria me dar o coração. Pra falar a verdade, pensei que isso nunca iria acontecer, pois a fase dele me dar o coração era quando estávamos na escola, que éramos grandes amigos. Ele chegou e me deu o coração. Simples assim. Será que ele havia mudado tanto? E que porcaria de amiga eu era que não havia percebido? Fiquei surpresa quando eu desembrulhei o pacote e vi o coração. Acho que ele não percebeu minha surpresa em ver o amarelo do coração - na verdade, eu torço pra isso!

Por muito tempo eu fiquei reclamando do coração estranho que ele me deu, mas só agora percebo que eu é que sou a estranha e nem deveria ter recebido nada. Ele me deu o coração. Era tudo o que ele podia dar. Era aquilo que ele tinha pra me dar e eu só critiquei. A verdade é que eu fiquei com medo de dar o meu coração. Acho que isso o teria feito muito feliz. Só conseguia pensar que, assim como eu, ele só iria ver o lado estranho. Nem passou pela minha cabeça que ele era a pessoa mais doce que eu conheci e que, ao contrário de mim, ele só via o lado bom das coisas. Hoje eu tenho dois corações, ele nenhum.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Pensa

Pensa em se levantar. Pensa em ir ao banheiro. Pensa em tomar banho. Pensa no café, no pão, no açúcar. “Será que vou me atrasar?”. Pensa no trânsito, nas buzinas, nas pessoas chateadas já pela manhã. Pensa nas contas a pagar. “Será que vou me atrasar?”. Pensa no cigarro, no trabalho e no café. Ah, café...! Pensa nos amigos, nos antigos e nos novos. “Quantos são os novos?”. Pensa no que não fez. Pensa no que gostaria de ser. Pensa no que se tornou. Pensa na Sofia. Sofia... Sofia! Pensa no chefe. Pensa no salário, no trabalho e na sua insatisfação. Pensa em como a vida é dura e sua cama é macia. Pensando bem, dormiu o dia todo.