segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Teoria do Guarda-Chuva

Jeremias sempre nos brindava com suas teorias sobre tudo em nossos encontros. Costumava dizer que, apesar dos vinte e poucos anos, tinha a experiência que seu nome demandava. Não importava o lugar que estivesse, qualquer coisinha podia dar o start naquela máquina incansável de teorias, suposições e observações.
Dia desses, lá pela quarta ou quinta rodada no bar, ele me veio com a Teoria do Guarda-Chuva.
- Guarda-chuva?
- É cara! Ninguém dá ouvidos aos guarda-chuvas, mas eles têm muito a dizer! As pessoas vão mudando, e de acordo com isso, também os seus guarda-chuvas. Nunca reparou? Claro que não, você nem sabe o que comeu no almoço de hoje! É assim, quando criança é aquela festa! Guarda-chuvas de todas as cores e caras, com desenhos coloridos e estampas de super-heróis. Lembra quando a gente foi buscar aquela filha da sua prima no escola de crianças? Estava chovendo, e eu via a cara do Ben 10 em todo canto!
Quando a gente está na praia, levamos aqueles guarda-chuvas (sóis!) grandes, coloridos e espalhafatosos. Tem também os guarda-chuvas das tias - estampados, mas que mantém a discrição que senhoras de respeito requerem. Eu só não entendo o porquê deles serem tão feios! 
Mas quando quando a gente é adulto, e não é senhora de respeito e nem está na praia, o que a gente usa?
- Bem, a gente usa o preto! 
- Exato! Todo mundo tem um guarda-chuva preto e esse é, geralmente, o que é levado pra todo lugar. Não importa o fabricante ou o modelo, o guarda-chuva é preto! É nosso default. É só um guarda-chuva, me dá qualquer um! Até mesmo aquelas pessoas que lançam aos quatro ventos que são diferentes, únicas e aquela quel toda que a gente já conhece, até mesmo elas usam a monotonia do guarda-chuva preto! 
- É verdade... Lembra daquela sua namoradinha que tinha o cabelo cor-de-arco-íris? Dependendo da intensidade da luz o cabelo tinha uma coloração diferente...
- Claro, e até ela tinha um guarda-chuva preto. E quebrado, por sinal! O fato é que somos tão pressionados a consumir os produtos de massa, a agirmos num padrão que nem percebemos quando adotamos isso para novo modo de vida. Mesmo quando tentamos nos enganar com aqueles discursos de que “nós somos diferentes”, e que usa roupas e adota comportamentos singulares, mesmo assim não percebemos o quanto da ideologia da uniformização está intrínseca ao nosso cotidiano. Isso é provado pelo seu guarda-chuva! Ele é preto, não é? 
O foda é que a gente tenta colocar em todo os objetos que temos um pouco do que somos. A gente customiza carro, a gente adesiva caderno e computador, a gente ouve bandas do underground norueguês porque o Metallica se vendeu pra indústria – até quando se escolhe o nome do cachorro a gente faz isso! Mas a gente faz isso com essas coisas grandes, que as pessoas vão notar. Não nas coisas pequenas. Mas aí, Chico, aí que são essas coisas pequenas que realmente nos diferenciam! São as coisas pequenas e que ninguém mais vê que tornam as pessoas interessantes ou chatas. Lembra por que você terminou com a Ester?
- Mania de limpeza.
- E com a Joana?
- Ela me ligava a cada 10 minutos!
- Pois é, meu jovem! À primeira vista, elas eram um ótimo partido, além de serem muito gatas. São essas coisas importantes, e minúsculas, que fazem a diferença! E quando alguém mais vê essas pequenas coisas que você tem, é aí que acontece o amor. Não só o amor de casar e viver feliz pra sempre, e blá,blá,blá, mas ainda o amor fraterno, a amizade. São as pequenas coisas que juntam as pessoas. Não seu guarda-chuva preto!”