terça-feira, 27 de abril de 2010

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Rolling Stone

Era madrugada e as palavras do Dylan não saiam da cabeça.

How does it feel to be on your own, with no direction home, like a complete unknown?
Like a rolling stone?

Resposta ele ainda não tinha, mas já tinha as direções.
E você?

terça-feira, 13 de abril de 2010

Any colour you like

Abriu os olhos devagar, deixando a luz entrar aos poucos em sua retina. Sentiu um prazer infantil naquilo. A luz que penetrava a janela de vidro era suficiente para iluminar parte do pequeno quarto do apartamento em que estava. "The Great Gig In The Sky" ainda ecoava em sua cabeça quando procurou perceber os detalhes do quarto que na noite anterior o acolhera de forma tão calorosa.

Deitado na cama, meio coberto, meio nu, achou graças dos pôsteres de bandas de rock pendurados na parede. "Eu tinha isso aos quinze!"

Não era grande o apartamento. Na verdade, era tudo o que uma estudante de arquitetura podia pagar com a grana do estágio e dos pequenos projetos que pegava aqui e acolá. Contudo, era uma bom lugar para se estar. Pequeno e aconchegante. Assim era o apartamento. Ele não conhecia nada daquele apartamento além do quarto que começava a descobrir.

Sentou-se na beirada da cama e sentiu uma leve dor de cabeça que seria sua companheira pelo restante do dia. Reconstrui o percurso da noite: barzinho com amigos, garota legal na mesa ao lado, táxi, casa dela. Casa. "Gosto de estar em casa quando posso. Qual foi o último lugar que chamei de casa?"

Voltou a examinar o quarto, que parecia bagunçado com todas aquelas roupas espalhadas pelo chão. Com pouco de esforço, conseguiu reconhecer as suas roupas. Reconheceu também as roupas que ela usava horas antes. A camiseta dos Ramones parecia menor colocada daquele forma sobre o encosto da cadeira e a calça que antes era apertada agora jazia sem função junto ao pé da cama.

Como num instinto, desviou o olhar para procurar a dona daquelas roupas perdidas pelo chão. Por sobre o ombro esquerdo, e com a embriaguez se esvaindo, ele olhou para ela. Admirar seria a palavra mais correta. Coberta em parte pelo cobertor, em parte pela sombra que se instalara naquela parte do quarto, ela estava eclipsada sobre a cama.

- Uau, ela é linda!

E realmente era. Bem mais até do que ele conseguia se lembrar. O cabelo vermelho contrastava com a pele branquinha de seu rosto, decorado ainda com pequenas sardas pelo nariz. "Any colour you like". Estavam todas ali. Deitada de lado, com cabelo sobre os olhos, afogava-se inocentemente em sonhos. Se anjos existissem, era daquela forma que deveriam parecer. Ficou muito tempo ali sentado, admirando seu anjo pessoal respirar. Ela possuia uma serenidade ímpar, sobrenatural até. E ele que esteve furioso durante tanto tempo queria apenas falar com ela. Fale comigo. Fale sobre onde você esteve, fale sobre os planos profissionais que comentamos rapidamente noite passada, fale sobre seus pais, fale sobre música, fale sobre nós e sobre eles. Fale seu nome que não consigo lembrar - Laura, Luisa, Maria, Melissa - não consigo lembrar. Fale sobre o que você ama, sobre o que odeia, sobre o que vê, o que sente, o que acredita, o que compra, acha, empresta ou rouba. Fale sobre o que você cria e o que destrói, o que faz, come, a quem você fere e com quem você briga. Claro que ela não respondeu, continuo apenas respirando.

Enquanto ele ainda a admirava, o eclipse dissipava-se no quarto. E ela que antes apenas respirava, agora o enfeitiçava com palavras e olhos azuis. Any colour you like.

terça-feira, 6 de abril de 2010

Quintessência

Detestava aquele tipo de festa. Embora fosse sempre alegre e efusivo, sentia-se tremendamente mal naqueles tipos de eventos, em que as pessoas assemelhavam-se a zumbis balançando o corpo de maneira incontrolável.

Tentara, sem sucesso, adaptar-se diversas vezes. Afinal poderia ter tido algumas experiências ruins das primeiras tentativas. Mas não conseguia. Nunca iria conseguir. A batida eletrônica ritmada e constante daquelas músicas não foram feitas pra pessoas como ele. E vice-versa. E tudo mais naqueles eventos o irritava. A quantidade de pessoas consideravelmente grande que se podia comportar em lugares tão pequenos era algo com que ele realmente se admirava. E se irritava. A enorme fila para entrar, para ir ao banheiro, para comprar cerveja. Isso categoricamente o irritava.

Gostaria muito de estar em outro lugar. Seria bom ouvir algum acorde de guitarra e uma voz que, de fato, cantasse. “O que estou fazendo aqui!?”. Mas sabia exatamente por que estava ali. Por causa dela.

Nas últimas semanas não estivera em outro lugar. Estava sempre com ela. Embora ela não estivesse.

Ela era normal. Os mais desavisados não notariam nada de especial naquela magricela. Definitivamente uma garota como outra qualquer. Destacava-se apenas pelas duas janelas com vista permanente para um imenso e calmo mar esverdeado. E era isso, aquelas duas janelas, que o atraía há semanas.

Já tinha chegado há um bom par de horas e se sentava com alguns amigos próximo de onde as pessoas dançavam. A aquela altura o álcool balbuciava suas primeiras palavras. Ele e os amigos conversavam sobre diversos temas sempre, mas os preferidos eram seus excêntricos professores, música, garotas e, dependendo do grau etílico da noite, sobre o universo e poesia. Falavam exatamente sobre Dylan quando ela chegou. Cumprimentou rapidamente a todos e foi dançar, afinal estava ali para isso. Ele também foi. Acompanhado, é verdade, de algumas latinhas de cerveja.

Disse tudo que queria dizer. Enquanto falava percebia que já não escutava suas palavras, tampouco a música que tanto o irritava. Notou ainda que sua visão tornava-se turva, perdia o foco. O único ponto nítido naquele furacão era ela. Toda sua atenção, todos os sentidos. Tudo era ela.

Ela ouviu com surpresa o que ele disse. E durante a vez dela de falar, ele percebeu o desfecho daquilo tudo. Pra ser sincero, poucas eram as chances dela ter por ele ao menos metade do que ele tinha por ela. E ele sabia.

Antes que ela pudesse terminar de falar, ele aproximou seu rosto e sussurrou “quintessência” em seu ouvido, mesmo aquilo não fizesse o menor sentido para ela. Para ele fazia. Sentiu-se bem após fazer isso. Sentiu-se como há muito não sentia. Sentia que podia dominar o mundo.
Despediu-se dos amigos e saiu. Estava uma bela noite lá fora. A brisa fria fê-lo sentir alívio. Nos dias que seguiram sustentou a sensação daquela noite, com o detalhe de não mais sentir com embriaguez. Queria dominar o mundo. Despediu-se dos amigos e saiu. Era um belo mês de maio aquele lá fora.

sábado, 3 de abril de 2010

Como era de se esperar.

9 e 32 da manhã. O banco abre às 10 e eu já estou na fila. Eu e muita gente. Só me dei conta que era o último dia útil antes do feriado prolongado quando cheguei lá. Tarde demais para voltar. Quando cheguei já havia muita gente, e muito mais viria. Todas extremamente preocupadas, com cara de poucos amigos e devidamente apressadas. Como era de se esperar.

Atrás de mim estava uma senhora simpática, daquelas velhinhas simpáticas que a gente vê nos filmes de cinema. Aparentava preocupação. Não essas preocupações cotidianas, pagar as contas, entregar o trabalho no prazo, arrumar o carro, lavar a roupa, consertar a torneira da pia da cozinha... Preocupava-se com algo que transcendia. Talvez a idade avançada traga outro tipo de coisas para se preocupar. Para os mais místicos, o que acontece depois da morte. Para os religiosos a salvação. Para os que têm filhos, o que será deles. Para ela, a vida. A vida que vivera, os caminhos que percorrera e as escolhas que fizera até aquele momento. Esse era o meu palpite. Seus olhos traduziam o cansaço de uma vida inteira. Olhava fixamente para um ponto qualquer no chão do banco lotado, com a postura de uma...

- Sem vergonha! Moleque mal educado! Respeita...

Pessoas extremamente preocupadas, com cara de poucos amigos e devidamente apressadas. Como era de se esperar. Sempre acontece.

Notei então uma garota um pouco à minha frente. Era jovem, 20 e poucos anos, e estava com a roupa que usaria na academia depois do banco. Os cabelos amarrados exibiam seu belo rosto, que seria apenas um bonito rosto se não houvesse nele o par de olhos castanhos claros que lá existiam. Parecia simpática, e minha hipótese fora confirmada quando puxou conversa com as pessoas próximas. Em grandes filas sempre acontecem conversas casuais sobre a demora no atendimento, o calor que está fazendo, o governo que nunca faz nada e sobre o que ele deveria fazer. Todo mundo sempre tem alguma solução. Curioso é que só o governo não a tenha.

Um funcionário do banco começava a distribuir senhas na tentativa de agilizar o atendimento. Iria demorar até eu receber a minha.

Ao contrário da velhinha simpática atrás de mim, a garota não a aparentava preocupação, nem mesmo pressa ou cara de poucos amigos. Teria que esforçar-se bastante para conseguir ter uma cara de poucos amigos. No intervalo de sua conversa casual, após passar as costas das mãos na testa suada, fixava o olhar em algum ponto no chão do banco lotado. Assumi que pensava no horário que sairia da academia a qual iria depois do banco. Se aqui demorar mais que o esperado terá que apressar-se nos exercícios. Talvez eu tenha sido ingênuo, afinal aquela garota de belo rosto poderia ter sim grandes preocupações. Talvez pensasse nas contas a pagar, nos trabalhos a entregar, no carro que tem que arrumar, na roupa suja acumulada e na torneira da pia da cozinha que não parava de pingar. Ainda poderia ela ter preocupações como as que a idade avançada traz. Entretanto não pude mais supor no que ela estaria pensando pois o funcionário do banco que tentava agilizar o atendimento havia acabado de me informar que “hoje o serviço que o senhor deseja está indisponível”.

Deixei o banco, que estava agora com o dobro do número de pessoas que havia quando cheguei. Enquanto caminhava, lembrava daquela velhinha simpática que a gente vê nos filmes de cinema e das suas preocupações. Lembrava ainda daquela jovem de 20 e poucos anos que iria mais tarde à academia. Elas e todas aquelas outras no banco com preocupações, atribulações, contas a pagar e coisas importantes a fazer. Ah, talvez aquela garota de olhos castanhos claros pensasse, quem sabe, em seu namorado!

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Cinco da tarde

Por Borges Júnior


1. Ele embarcou no ônibus e se pôs a ler sua revista, daquelas revistas de heróis americanos. E já não era mais nenhum adolescente, mas um homem barbado - barbado mesmo, sem força de expessão. Um homem jovem, beirando os 30. Usava óculos de lentes grossas e armação quadrada e fina. Não era desses óculos de armação grossa plástica que alguns usam para aumentar a inteligência; ele usava os óculos por necessidade mesmo. E usava-os agora para ler sua revista, alheio do mundo. Capitão América, talvez.
Tinha a introversão estampada no rosto. Na minha cabeça, deduzi que fosse estudante ou recém-formado de algum curso das Ciências Exatas. Algo relacionado a informática, se me permite o palpite. Pois, estava ele sentado próximo à janela, enquanto os outros passageiros buscavam os últimos assentos livres.

Então sobe uma moça, mais ou menos da mesma idade - quem sabe uns meses mais nova. Escondia os olhos atrás dos óculos escuros. Era esbelta, com cabelos alisados; tinha a aparência padrão das moças de classe média. Não era bonita, mas vaidosa, enganava os desavisados. Parecia uma jovem viúva, embora usasse blusa vermelha com calças jeans escuras. Muito séria, ela. E já que falamos de um suposto curso para o rapaz, falemos para a moça também. Odontologia lhe cairia bem.

Não percebi se havia algum outro assento livre no ônibus, mas aconteceu que o que estava ao lado do nosso míope estava livre, e então, o que já se poderia deduzir ocorreu: a jovem não-viúva sentou-se ao lado do adolescente-adulto. Ora, fato mais trivial em um ônibus é o de pessoas desconhecidas sentarem próximas umas às outras, e não importa a duração, elas sempre seguem o rumo de suas vidas no fim da viagem. E de fato, o par ali formado era apenas mais um entre tantos outros. Ele lia os quadrinhos e não se importava com mais nada; ao passo que ela imergia nas preocupações, enquanto descansava os olhos na paisagem da janela.
Mas eram cinco da tarde, e nesse horário é possível olhar para o sol sem machucar os olhos. Os dois intuitivamente olharam, então, para o sol que pintava o céu no fim da tarde. Ele então percebeu a presença da moça, e virou-se para ela.

Às cinco da tarde também é possível ver os olhos escondidos atrás de lentes escuras, e ele olhou os dela. Ela de início rejeitou tal atitude, e o ignorou. Mas ele que insistisse, ela acabou por ceder à curiosidade que mora em nós sempre que somos alvos de algum par de olhos, e um sorriso curto apareceu-lhe nos lábios antes que ela pudesse evitar.
Odontologia? Acho que não errei. Conversas e risos encabulados, e claro, alguns minutos de silêncio que os faziam desesperadamente procurar um novo assunto para retomar a conversa e a companhia naquele ônibus.

A parada em que ele desce já estava há muito para trás. Nas mãos do moço, a revista fechada e dobrada em cilindro. Eles são bons em achar assuntos. Ele chegava a gesticular em alguns momentos. Enfim, decidiu descer duas paradas depois da dela. Pra despitar talvez - que bobagem. Depois que ela havia descido ele ainda conservou um sorriso teimoso.
Eu desci onde deveria e segui meu caminho.

Semanas depois, ainda o vejo algumas vezes no ônibus, ela um pouco menos, mas ainda a vejo. Nunca mais juntos. Sem a barba, sem os óculos escuros.

Sentem falta das cinco horas.