sábado, 18 de dezembro de 2010

A madrugada é imensa

Acorda sobressaltada no meio da noite. Ouvira algum barulho na casa que a acordou. Podia ser qualquer coisa. Podia ser qualquer um! O pânico que tomou conta de seu corpo não lhe permitia nenhuma reação. Respirar era difícil, que dirá gritar por socorro ou pensar em alguma estratégia para se defender. Ficou deitada, esperando.
Os olhos na escuridão fitando a porta trancada, que a qualquer instante podia ser arrombada por aquele intruso. Veio à cabeça lembranças alegres de criança, o primeiro beijo, o primeiro dia na escola, o dia em que passou no vestibular, primeiro emprego, a briga com o melhor amigo que tivera na semana anterior. Dizem que, antes da morte, é possível ver toda sua vida perante seus olhos numa fração de segundo. Ela podia atestar que o que dizem é verdade.
Aquele tempo entre o despertar e a espera pela entrada iminente daquele invasor em seu quarto parecia interminável. Desejou, por muitas vezes, estar morta antes mesmo de ter acordado – teria lhe poupado a angústia. Tentou fechar os olhos e fechar e voltar a dormir, ou quem sabe, acordar do pior dos pesadelos. Tentativas em vão.
A noite sem lua era a mais quente da temporada. E mesmo que estivesse nevando lá fora, ela estaria suando da mesma maneira aqui dentro. Se pelo menos fosse mais religiosa, poderia ter rezado por todo o tempo de espera, mas esse não era o caso. Não gastou suas últimas horas tentando imaginar como seria o invasor, nem qual a motivação do sujeito ao invadir a casa, ou o que ele faria com ela dentro de instantes e muito menos rezando para um Deus que ela não acreditava. Não. Ela não jogaria fora a postura de uma vida só por que parecia chegar ao fim o seu tempo. Ela apenas esperou.
Os olhos já acostumavam com a penumbra e os objetos tomavam suas devidas formas e proporções na escuridão. Ela continuava esperando por alguma ação. Parecia um filme ruim. Continuou esperando por algo que não vinha. Depois de mais um tempo pensando a respeito, talvez o barulho que a fizera acordar tivesse mesmo vindo de apenas um sonho ruim. Desejou muito estar certa e concentrou-se em ouvir a casa - que emitia somente um leve gotejar na torneira da cozinha. Dormiu contando os pingos da torneira e lembrando o que o ex-melhor amigo lhe dissera semanas atrás. A madrugada é imensa.