sábado, 21 de agosto de 2010

Branco e Preto

Magra, mãos pequenas, estatura mediana. Nem se fizesse a careta mais feia conseguiria assustar alguém. Exalava simpatia. Pele branquinha, cabelos lisos escuros. Não dava pra distinguir onde terminava a pupila e onde começava a íris: era tudo negro. Engraçado isso, pois se, como dizem, os olhos são a janela da alma, os dela deveriam ser claros como um céu de verão. Bem, talvez não se deva acreditar em tudo o que dizem.

Não é que ela fosse o tipo perfeita - era mais do tipo que você sente enorme prazer somente em dividir a mesma sala. Acho que todo mundo conhece alguém assim. Se não conhece, deveria conhecer. Já!

Um tempo atrás, enquanto caminhava de volta para casa depois do trabalho, lembrei de Lucy. Na verdade, busquei com grande esforço alguém que em alguma ocasião tenha discutido, se irritado ou até mesmo levantado a voz com ela. Sem sucesso. Isso é bem estranho, na verdade. Ainda mais se for considerado os tempos difíceis que vivemos, em que qualquer boa ação é sempre vista como um pretexto para se conseguir qualquer coisa. Tempo difícil para os sonhadores.

De fato isso me intrigou. Recordações do tempo em que passei com ela vieram à mil. Como num quebra-cabeças, eu tentava encaixar todas as partes da velha Lucy que agora me parecia um grande mistério, jogando por terra a garota amável que sustentava na memória.

Vez ou outra eu lembrava de Lucy. Curioso isso, por que agora percebo que sempre foram em ocasiões de grande stress, de problemas e dessa baboseira toda que nossas regrinhas estúpidas nos obrigam a conviver. E Lucy sempre me ajudava. Talvez porque estar com ela tenha sido a melhor coisa que já experimentei na vida. Era uma sensação estranha. Era como fazer parte de algum mundo em que as coisas fossem perfeitamente cabíveis, em que se podia colocar o pé sujo no sofá branco e andar com roupas que não estão na moda sem ser repreendido por ninguém. Era como pegar todas suas planilhas, papéis do seguro, contas e jogar tudo pro ar, e em meio à chuva de papéis sentir-se muito melhor, como um astronauta ou uma estrela do rock. Lucy era pura utopia.

Contudo, era esquisito que ela sentisse exatamente o oposto a respeito dela. Ainda que amada e respeitada por muita gente, ela não se sentia nada especial. Talvez isso se deva ao fato dela nunca ter se sentido assim. Quando criança, era sempre uma das últimas a ser escolhida para os times de vôlei ou de futebol - e quando se é criança aquilo sim é ser especial! Crianças podem ser muito cruéis - como os adultos. Porém sem filtros.

Com todos os fatos e lembranças que expus é de se imaginar que a nossa relação extrapolasse os limites da amizade. Sim, tal dedução é perfeitamente cabível, mas inverossímil. Nunca aconteceu. Quem sabe por minha culpa, que nunca soube aproveitar as chances que ela dava, ou por culpa dela, que nunca aproveitava as chances que eu dava. Bem verdade é que eu nunca entendi muito bem o porquê de nunca acontecer. Mas desconfio. Afinal, todos amam os anjos, mas ninguém pode tê-los.

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