sexta-feira, 13 de abril de 2012

Homem Comum


O mundo parecia desabar na noite lá fora. A chuva e o vento forte, os raios e todo arsenal atmosférico disponível não davam trégua, e batiam nas janelas insistentemente. Dentro do apartamento, Lynyrd Skynyrd ecoava baixinho.

Já passa do segundo mês do ano e ele ainda não tivera coragem nem de tirar a barba. Alguns dias se passaram desde seu último banho e, naquele momento, o seu apartamento de 200m², com 2 suítes, living e varanda gourmet se resumia à uma cama e uma garrafa d'água no canto do quarto principal. Chovia, mas o calor era persistente. Era noite, mas a cidade lá fora estava completamente iluminada.

Desde Angélica, Pedro não foi mais o mesmo. Nada de shows, nada de festas, nada de cerveja no bar. Era só o trabalho e a casa.

O que sentia não era somente o que sente aqueles que perdem alguém querido. Tudo o que havia construído, pensado e planejado tinha sido destruído com apenas um telefonema ruidoso no meio da noite: - Ela morreu!

Sentia-se melhor apenas por terem parado de lhe falar que "o tempo se encarregaria de curar sua mágoa". Em dois anos nada havia realmente sido amenizado.

Apesar da consciência da fragilidade, brevidade da vida humana e tudo mais, ninguém está realmente preparado quando ela bate à porta. Na verdade, ninguém se prepara para o ritual - até porque não se diz como se comportar ao entrar numa sala fria de necrotério e o que fazer ao ver o corpo desfalecido de alguém que lhe foi tão próximo.

Mas não aquela noite. Após muito tempo ouvindo que deveria sair de casa às vezes, finalmente aquele conselho parecia ser bom em ser seguido. Penteou os cabelos castanhos e vestiu a primeira camiseta e calça limpas que conseguiu encontrar. Pedro sentiu mesmo um desejo de sair para respirar. E assim o fez, mesmo com a chuva ainda forte.

- Essa cidade não pode ser feita de açúcar, pensou enquanto girava a chave na fechadura da porta.

À medida que dirigia em direção ao centro da cidade a chuva afinava. Ainda pegou o telefone para ligar para os antigos amigos, mas achou melhor não. Sabia que os eles acabariam se comportando como babás e não era isso que procurava. Queria apenas ver rostos diferentes, embriagar-se um pouco e tentar voltar a ser um cara normal.

Contudo, as coisas haviam mudado. Começando pelo local. Antes parecia não parecia tão cheio e as pessoas eram mais velhas. Os adolescentes haviam dominado o lugar. Procurou ainda os bares que costumava frequentar, mas não os encontrou.

- Bem, melhor assim. Menos rostos familiares.

Perambulando mais um pouco, encontrou um lugar que pareceu ser legal. Ao lado da entrada, uma placa dizia “cerveja bonita & gente barata”.

– Pelo menos eles são sinceros!

Do lado de dentro, o que havia do lado de fora: muita gente! Parecia que todos na cidade tiveram a mesma ideia de sair de casa aquela noite. Pedro encostou-se no bar e pediu uma cerveja. Enquanto aguardava desafiou-se a adivinhar qual a música que a bandinha que se apresentava estava tocando. Não conseguiu. – Deve ser uma dessa tal britpop. Antigamente, costumava ter discussões calorosas com os amigos sobre essas coisas. Curiosamente, lembrou-se da vez que o Cidão disse que era “por isso que as coisas estão como estão: ninguém gosta mais de Hendrix!”. A lembrança lhe despertou um pequeno sorriso de canto de boca, que foi interrompido pelo garçom com a garrafa de cerveja na mão.

Pedro andou pelo lugar como se estivesse procurando algo, mas que estava na cara que não encontrava.

- Teria sido melhor ligar pros caras. Pelo menos eu teria companhia, era o que resmungava enquanto entrava no banheiro.

Só mais uma cerveja e iria pra casa. Tava decidido. Mais uma vez chegou no bar e ficou esperando a cerveja. Dessa vez não tentou adivinhar musica nenhuma, mas olhava a esmo para as pessoas do lugar. A maioria devia ter menos de 23 e já era o fim da festa de muita gente que bebeu além da conta. Lá ao fundo, uma garota olhava fixamente para Pedro. Aquilo o deixou sem-graça, um tanto desajeitado. Ficaram nessa de se encarar por uns minutos e foram interrompidos devido à cerveja dele que havia chegado finalmente. Pedro virou-se para pegar e quando se virou novamente para a garota ela havia sumido. Deu de ombros e pôs-se a terminar aquela cervejinha.

- Você é gay?

Pedro não percebeu achegada da garota ao seu lado. Devido ao barulho, não entendeu o que ela perguntou. Mas se tivesse entendido, a resposta seria a mesma:

- O que você disse?

- Você é gay?

- Não, não sou, respondeu ele, agora reparando bem naquela garota de olhos e cabelos bem escuros e de pele branquinha. Por uns segundos tentou adivinhar a idade da garota, mas bem rapidamente decidiu que já bastava de adivinhações por aquela noite. Aproximou-se do ouvido dela e perguntou por que ela havia pensado isso, sem deixar de notar o forte perfume que ela usava.

- Ah, sei lá. Você está aí sozinho e aA gente ficou se olhando por um bom tempo e você não fez nada. O pessoal que vem aqui geralmente não age assim.

Pedro pediu outra cerveja pra ele, e para a ela. Ficaram conversando e bebendo por um tempo até que ela quis dançar.

- Tudo bem, mas já peço desculpas pelos seus pés!

Até que se saiu bem. Seu pensamento foi nos amigos que deixara de chamar e qual seria a reação deles se o vissem ali, dançando com aquela garota bonita. Estendeu-se ainda um pouco mais nas coisas que havia deixado de fazer nesses últimos tempos e que retomaria a partir do dia seguinte. Mas antes disso, a única coisa real eram as mãos dele no quadril dela e os lábios dela no pescoço dele. Em meio ao seu devaneio, sentia pequenas mordidas em seu pescoço.

Fosse pela euforia de viver novamente, fosse pela dança, fosse pela garota, fosse pelas cervejas, o fato é que ele não percebeu quando ela cravou os caninos em seu pescoço e foi sugando-lhe toda a vida pelas veias. Demorou certo tempo para perceberem que o cara caído no chão não estava legal.

- Malditos drogados! - Xingava o dono do lugar.

- Malditos drogados! – Resmungava o policial que chegou para ver o que tinha acontecido.

- Deve ter sido uma overdose. 

E foi com essa possível causa que ele chegou ao IML para a autópsia. Pedro ficou espantado quando acordou naquele lugar. Espantado mesmo ficou o legista quando chegou à sala e viu o seu próximo trabalho saindo pela porta dos fundos. Pedro já conhecia a saída.


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