quinta-feira, 2 de maio de 2013

Comida pros fortes

- Essa é a comida dos fortes, senhor.
- Como assim, garoto?
- Só os fortes podem comer dessa comida aí, senhor. Essa é a ordem que eu tenho.
- Quem te deu essa ordem?
- Ah, pessoal daquela salinha azul lá no fundo. Ali, naquele cant...
- Desde quando você faz isso, garoto?
- Tem uns meses já, senhor. Uns três ou quatro, não me lembro bem. É que a gente por aqui não costuma muito contar o tempo. Não tem muita pressa por esses lados aqui não, senhor. Sabe como é, não acontece nada de novo, é tudo meio igual... e tudo assim, sempre paradão e quente. Quente... E esse calor só piora, senhor. Eu penso que hoje é o dia mais quente desde quando eu cheguei há seis meses atrás.
- Três, garoto!
- O quê, senhor?
- Três meses! Você me disse que trabalhava aqui já fazem três ou quatro meses.
- Ah sim, senhor! Mas eu cheguei aqui antes. Só depois que arrumei esse trabalho aqui.
O senhor olhou o garoto bem fundo nos olhos para depois observar o cenário em que tinham aquela conversa. O ambiente árido não era nada receptivo, mas as plantas mortas por falta d'água e as carcaças esparsas dos animais que tiveram a sorte de sair do lugar colaboravam com a sensação de poucos amigos da região.
- Mas como você sabe, garoto? Como você sabe quem são os fortes?
- São os que chegam, senhor. Normalmente são os que chegam aqui pedindo pela comida. Acho que o pessoal já os avisa que tem comida aqui esperando por eles. Eu só dou o prato pra cada. Meu trabalho é bem fácil. A parte mais difícil é esperar nesse calor. Ainda bem que tem essa casinha por aqui. Quando eu cheguei ela não tinha telhado, aí eu procurei uns pedaços de palha e cobri. Não é muito boa, mas dá pro gasto!
- E como você sabe que eu não sou um deles, um dos fortes?
- Ah, porque... Não sei, o senhor é diferente!
- Como? Eu também não cheguei aqui? Não são apenas os fortes que chegam aqui?
- Sim, tá certo, mas...
- Na verdade, como tu sabes se tu não és um vencedor?
- Hahahaha! EU, senhor? Eu só tô aqui pra dar comida pra eles! Eu não sou um dos fortes, não senhor.
- Por quê?
- Ora, mas que pergunta, senhor! Claro que não! Olha pra mim! Como eu posso ser um forte? Eu sou fraquinho, só como essa comida sem gosto que tem aqui...
- A mesma dos fortes!
- Tá, mas eu não sou um deles! Como pode?! Se eu fosse, claro que eu saberia!
- E o que tu farias?
- Ah, não sei...
- O que os fortes fazem quando saem daqui?
- Não sei, senhor... Eu nem sei o que eles fazem antes de chegar aqui! Na verdade, eu nem sei pra quê eles precisam de mim aqui. Tá tudo aí pra eles, o pessoal vem deixar e pegar a comida. Não chega ninguém mais aqui pra comer, a não ser o senhor. De onde o senhor veio?
- Chega de papo, garoto. Eu vou levar dois desses pratos pra viagem. Se quiser podemos papear mais no caminho. Tu vens ou não?

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